O Amor na Tradição Védica - Paulo Nascimento

O AMOR NA TRADIÇÃO VÉDICA

A tradição védica:
- A tradição védica de conhecimento, baseada na extensa literatura védica, é das tradições mais antigas de conhecimento do mundo. Ainda que preservada na Índia por muito tempo, essa sabedoria tradicional quase se perdeu nos últimos séculos, em parte devido às invasões estrangeiras na Índia. A tradição védica contém informação detalhada de amplos e diversificados temas: - Desde a astronomia à música, da arquitetura à saúde, da administração à economia. No entanto, tudo centra-se e tem a sua base no conhecimento da consciência, incluindo as tecnologias da consciência e a evolução a estados superiores de consciência (iluminação espiritual). A tradição védica é uma ciência da consciência completa, que foi verificada objetivamente e comprovada cientificamente. A Ciência Védica considera que a consciência é bem mais que um subproduto da atividade cerebral. Em vez disso, a mente individual é descrita como uma flutuação aparentemente localizada em um campo de consciência, subjacente e ilimitado. Da mesma forma que uma onda quando se assenta ganha o “status” de oceano, assim também, a mente humana individual quando se assenta no seu estado de mínima excitação e virtude máxima, ganha o “status” de unificada, á inteligência infinita que está na base do universo.

O amor:
- Amor é muitas vezes confundido com afeição, paixão, compaixão, misericórdia, atração, desejo, libido, sexo, e embora todos eles sejam demonstrações de amor, o conceito mais popularmente conhecido é a formação de um vínculo emocional com alguém, capaz de receber e estimular este comportamento amoroso, enviando assim os estímulos sensoriais e psicológicos necessários, para a sua manutenção e motivação.
É tido por muitos como a maior conquista do ser. Falamos muito de diversas formas de amor, amor físico, platónico, amor maternal, amor pela vida, mas o problema reside exatamente em se falar e na sua diversidade de termos e significados que encontramos, que nos afasta cada vez mais da unidade, do sabor original do que é o amor. O amor para ocorrer não precisa necessariamente de ser permitido, como aquela célebre frase; -“Porque me amas? – Porque tu o me permitiste…” – Podemos amar alguém sem a sua permissão, mas aquilo que realmente necessitamos no amor é de reciprocidade, de empatia, de cumplicidade, de amizade sincera, de honestidade, de lealdade, de honra, de integridade, de liberdade, que desta forma permite a ambos os intervenientes (homem e mulher), aprofundarem e alargarem as relações de afetividade entre si. Existe um laço natural não só afetivo, mas físico e mental também, pois admirar alguém é amar com o cérebro, surge uma plenitude em ambos que dura não dias, meses, anos, e para quem sente acredita desta forma, vidas após vidas. O amor pode se entender de variadas formas, de uma forma física ou espiritual, embora na minha modesta opinião, o físico nunca pode ser desassociado do espiritual e vice-versa, dado que estamos “condenados” a ter uma natureza original espiritual, imutável, mas a nossa experiência se dá maioritariamente no plano físico; logo o amor no seu todo, tem que ser experimentado nas suas duas vertentes. A vertente física engloba o sentimento, abstrato e sem forma, sem cor ou sabor, sem textura, engloba ao mesmo tempo a reação química interna das quais são responsáveis três neurotransmissores, a saber: - A dopamina, a norepinefrina e a serotonina, todos produzidos por áreas ligadas ao sistema de recompensa e prazer do cérebro. As mãos tremem e o coração e a respiração aceleram quando o ser amado está por perto? - Não acusem falsamente então o cupido. Estão em ação a dopamina e a norepinefrina, substâncias que levam à alegria excessiva, à falta de sono e o sentimento de que o/a amado/a é único/a, e de que é quase impossível compará-lo/a com alguém. Já aquela compulsão e obsessão pelo/a parceiro/a são causadas por baixos níveis de serotonina. Amor então é físico/químico, é espiritual e é também karmico, pois quando duas pessoas se encontram não é apenas por coincidência, mas porque existem Punyas (virtudes, créditos) e Papas (pecados, débitos) entre ambos, e com esta referência faço a passagem para o amor na tradição védica, na qual iremos então analisar a Katha Upanishad, fiquem por aí que isto promete.

KATHA UPANISHAD:
- A katha upanishad (Devanagari: कठोपनिषद्) (Kaṭhopaniṣad); É um dos Mukhya (primus em latim, principais) incluídos nas ultimas 8 secções da escola Katha do Yajurveda, estando listada como a numero três no Muktika dos 108 upanishads. Consiste de dois capitulos (Adhyāyas), e cada um desses dois capitulos está dividido em três secções (Vallis), sendo que o primeiro capitulo é considerado de mais antigo que o segundo e conta a história de um rapaz de nome Nachiketa, filho do sábio Vajasravasa, que se encontra com Yama, o Deus da morte indiano. A sua longa conversa centra-se sobre a natureza do homem, conhecimento na sua generalidade e sobre o Atman (alma, ser) e Moksha (liberação). É considerado como śruti (ou aquilo que foi ouvido pelos ṛṣi/rishis ou sábios do passado) e é parte central dos provavelmente textos mais antigos religiosos da humanidade, como os Vedas, Samhitas, Brahmanas, Aranyakas e mais recentes os Upanishads. Embora todas as seis escolas ortodoxas do Hinduísmo aceitem a autoridade e autenticidade do śruti, existem escolas heterodoxas do Hinduismo como as Cārvākas (materialistas) que consideraram estas obras como produtos humanos não fiáveis, visto que estas escolas abraçam mais o empirismo, a perceção direta como meios válidos de conhecimento, rejeitando o sobrenatural, o ritualismo védico e aceitando o ceticismo filosófico e o materialismo. Fazer só uma diferenciação entre śruti e smriti, visto que ambos representam categorias de textos que são usados para descrever a tradição hindu, o primeiro é considerado como ter sido ouvido através de um discurso divino, seja na forma de sons ou ruídos e smritis são considerados pensamentos derivados ou inspirados pelos śrutis, muito mais haveria a dizer sobre os śrutis e seus variados significados quer na musica, quer na geometria, e que não deixam de ter alguma relação com a forma como foi alcançado este conhecimento pelos Rishis e até poderíamos entender um pouco melhor como isso foi possível, mas vamos já para a Katha Upanishad.

KATHA UPANISHAD
- Segundo capitulo, canto 1, verso 3:
. “Aquele através do qual se experimenta a forma, o gosto, o olfato, a audição, o toque e a união carnal, é o SER” Comentário: Aqui Yama faz a distinção entre corpo e órgãos dos sentidos, e aquele que vivencia tudo isso, a distinção entre objeto/s e sujeito, entre os diferentes materiais usados na experiência e aquele que realiza a experiência. Que nós somo o SER, o sujeito, nós não somos corpo e órgãos dos sentidos.
- Segundo capitulo, canto 2,verso 3:
. “Aquele que está no coração reina sobre o alento vital, ante ele, todos os Deuses (órgãos dos sentidos) se inclinam.”

Comentário:
Interessante este uso do coração aqui pois pode significar várias coisas, a primeira sendo que é dito que no coração reside o Ser individual, mas também pode significar na minha modesta opinião, o amor ao SER SUPREMO, através da lembrança constante em cada ação, pensamento, em cada olhar, em cada palavra. Embora em sânscrito a palavra que significa alento vital seja Apana, um dos cinco tipos de prana e que controla o sistema digestivo nos processos relacionados com a excreção e expulsão de substâncias desnecessárias, estando localizado na parte inferior do tronco mais especificamente no baixo-ventre. Fisiologicamente, isto se processa através de uma força centrifuga, com a eliminação das matérias fecais, urina, menstruação e a expansão do sêmen, não creio que seja isso ou até se for o caso, somente isso a que se refere. Penso que se refere aos diferentes elementos físicos vitais necessários para a nossa sobrevivência e experiência neste corpo físico, tais como o alimento físico, a água e o ar, mas também aos diferentes alentos vitais nas formas de emoções e sentimentos que são a razão da nossa experiência física, o poder viver isso e que de certa forma nos impelem de alcançar nossos sonhos e desejos na vida. Que o SER, é mestre de tudo isso, ele está além de tudo isso e que quando realiza a sua natureza original, não é mais dominado pelos órgãos dos sentidos, converte os deuses em escravos, através de regressar à sua virtude máxima.

- Segundo capitulo, canto 2, verso 15:
“Não brilha o sol, nem a lua, ou as estrelas, nem o raio, nem o trovão, nem o fogo sobre a terra, sem a presença do SER. O SER é a luz, por todos repartida. Quando ele brilha, tudo brilha.”

Comentário:
Penso que aqui se refere de novo ao SER SUPREMO, que nada disto é possível sem ELE, que ELE está manifesto em tudo e em todos nós, que em essência somos todos Divinos como ELE, que tudo e todos nessa perspetiva são manifestações do SER SUPREMO e porque ELE existe (brilha) tudo existe (brilha, é manifestado).

- Segundo capitulo, canto 3, verso 15:
“Desfazendo os nós que estrangulam o coração, o mortal torna-se imortal. Essa é a síntese dos ensinamentos das escrituras.”

Comentário:
Penso que os nós aqui mencionados, referem-se às falsas crenças e mapas mentais em nós e também por nós instituídos, a uma falsa identificação corpórea que origina toda uma perceção errada de nós mesmos, do mundo e dos outros, induzindo-nos a separatismos diversos, desde os mais caricatos aos mais tenebrosos e grotescos. A uma constante forma de pensar e (re)agir ao longo de séculos, que se tornou tradição e verdade quase que absoluta, mas que não deixa de ser equívoca, e é tudo isso que nos colocou numa espécie de amnésia coletiva, numa espécie de limbo que nos aprisiona a uma dimensão/realidade apenas física, que nos condena a um vazio constante, voraz e aparentemente insaciável. E se lamentamos esse vazio é porque outrora já conhecemos a plenitude e por isso de uma forma consciente para uns quantos, mais inconsciente para a maioria, buscamos essa plenitude. E aqui nos revela que com a relembrança de nossa natureza original, com a transferência uma vez mais da identificação corpórea para a identificação incorpórea, do corpo para a alma, podemos regressar a essa plenitude, a essa imortalidade.

NOTA:
É dito na tradição hindu que em qualquer livro ou escritura, os quatro primeiros versos contêm todo o conhecimento ali registado, que se entender esses primeiros quatro versos, entendeu-se tudo. Por isso, em forma de tributo a uma tradição que muito me sussurra de forma sutil mas deveras marcante, escolhi apenas quatro versos da Katha Upanishad que no meu entender falam e resumem o amor na tradição védica, fiquem desse lado, que irei falar agora do mantra final.

- Mantra final:
“NÂO EXISTE AMOR, PARA ALÉM DO AMOR AO SER”.

Embora este Mantra seja conciso e direto na sua abordagem ao amor, e na tradição védica, pretendo deixar um comentário final, e dizer que, se temos amor pelo SER SUPREMO, logo o nosso amor será estendido a tudo e todos de forma natural, que amaremos a todas as coisas e a todos, como a nós mesmos e que o amor na sua unidade, será sempre uma experiência espiritual e física, a não ser que se escolha apenas uma dessa facetas, como em muitos casos ocorre, e haja renúncia da experiência total.

Antes de terminar, quero deixar um poema, um devaneio meu, uma viagem minha, intíma, ao amor, tentando falar da sua experiência como unidade...

“Que eu possa amar do meu jeito, consoante o meu sentir, que eu possa amar a mim, a tudo e a todos com sinceridade, com honra, com intensidade, de uma forma inclusiva e extensiva, não discriminativa…. Que eu possa amar de corpo, com o corpo e para o corpo, que eu possa amar de coração, com o coração e para o coração, que possa admirar a tudo e a todos com o cérebro, pois essa também é uma forma de amar…. Que eu possa amar a Shiva e Ganesha, Buda ou Cristo, que eu possa amar em todas as minhas vidas, passadas e futuras, que eu ame pelos pensamentos, pelas palavras, pelo toque, pelo silêncio e tambémpelo olhar…. Que eu possa amar a Devi, a Shakti e à mulher como sua representação, através da união entre homem e mulher, através da bênção de um lar, de uma família, de filhos, que o meu amor seja sempre nesta forma de reverência, e que ame de forma auspiciosa, que meu amor seja sempre puro, seja dado, seja oferecido, seja constante e que me nunca tenha que ser pedido, amar apenas porque sou amor, nada mais.”

Paulo

REFERÊNCIAS:
- Katha Upanishad, tradução e comentário de Pedro Kupfer, gentilmente cedido por Gustavo Cunha e Ricardo Alarcão (Gurus Jis) do Centro de Yoga Vaidika
- A química do amor por: Aretha Yarak e Guilherme Rosa
- Wikipédia, a sua fonte de informação na internet
- Foto retirada da internet

AGRADECIMENTOS:
- A todos aqueles que tive a honra e o privilégio de conhecer e interagir durante mais um processo de aprendizagem, e enquanto estive na formação de Yoga (fora e dentro do yoga), seres que por direito próprio conquistaram o seu espaço no meu coração, a minha profunda admiração e mais sincera gratidão. A todos vocês o meu muito obrigado, pela simpatia, pela atenção, pelo carinho, pelo vosso amor...

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